Catadoras e a ressignificação dos resíduos: fotos etnográficas recebedora de menção honrosa no I Concurso Internacional de Fotografia Etnográfica – UrbanAct
Alexandro Cardoso
As histórias articulam nossas imagética, como processos que acompanham o nosso viver. Aprendi que as imagens nos contam e nos escondem coisas, que as fotos etnográficas são carregadas de outras histórias as quais suscitam nossa memória e fazem com que possamos compreender, como códigos decodificados – que ajudam a desvendar fatos do presente e do passado, bem como planejar melhor nosso futuro, melhorando e muito, as nossas vidas.


As histórias são carregadas de imagens e é sobre isso que contarei neste pequeno texto, trazendo os bastidores de como acabei recebendo uma menção honrosa no I Concurso Internacional de Fotografia Etnográfica – UrbanAct, realizado pela Universidade de Coimbra, Portugal. É com muito prazer que compartilho com vocês este pequeno texto, junto com as imagens vencedoras.
Recebi da colega Cristiane Miglioranza, colega das sociais – assim nos chamamos os estudantes do curso de ciências sociais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) – uma mensagem pelo WhatsApp contendo as seguintes palavras “Achei a tua cara!” e logo abaixo, na mesma mensagem, um link com informações sobre o I Concurso Internacional de Fotografia Etnográfica – UrbanAct, publicado na página do Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da UFRGS, o qual eu faço parte como estudante de mestrado.
Eu sou catador de materiais recicláveis desde a infância, estudei na minha juventude apenas até a quinta série do ensino fundamental, voltando a ser estudante depois de vinte anos, algo tão importante e significativo, que acabei escrevendo um livro, intitulado Do Lixo A bixo: A cultura dos estudos e o tripé de sustentação da vida, que aborda principalmente minha infância e a relação/importância dos estudos para a transformação social, num relato categorizado como uma forte etnografia performática, o qual já passa de mil exemplares comercializados.
Para mim, não haveria uma coisa tão importante a ser estudada, quanto as relações sociais e econômicas que invisibilizam minha categoria, e os processos exploratórios e predatórios que desvalorizam nosso trabalho nos empurrando para a exclusão social e econômica, tão completa porque não aceitamos quietos e nos organizamos em movimento para trabalhar e lutar pela reciclagem com valorização e reconhecimento do nosso trabalho.
Voltando a nossa história, abaixo ainda, na mensagem da Cristiane, vinha estas palavras: “prêmio em euro!”, claro que sabendo que eu iria, com toda certeza abrir o conteúdo do link, o qual dizia:
O Concurso Internacional de Fotografia Etnográfica “UrbanAct. Imagens de Ação e Ativismo Ambiental na Cidade” recebe inscrições de trabalhos até 15 de abril de 2022. Serão aceitas submissões de fotografias etnográficas capazes de capturar tensões e desafios ambientais enfrentados pelas cidades no século XXI. As fotografias submetidas devem se focar em temas de ação e ativismo ambiental na cidade e devem ser acompanhadas por uma pequena peça reflexiva com menos de 200 palavras, discutindo o que está a ser ilustrado ou, talvez, escondido nas imagens. (PPGAS, 2022)
E mais abaixo, no texto publicado no site, evidenciava o que estavam solicitando como trabalhos artísticos enquadrados como “fotos etnográficas”:
“Procuramos ensaios fotográficos que documentem visões contemporâneas de transformação espacial urbana, no contexto de formas emergentes de ação e ativismo ambiental. Os ensaios fotográficos podem se focar em tópicos tão diferentes como greves climáticas e outras formas de protesto climático, novos modelos de planeamento urbano e arquitetura que reivindicam uma cultura de construção descarbonizada, ou mesmo movimentos de base de ocupação e esverdeamento de espaços urbanos”, explica Gonçalo D. Santos, professor auxiliar de Antropologia Social-Cultural da Universidade de Coimbra. (PPGAS, 2022)
Rapidamente compreendi o que estava sendo solicitando, e isso me levou a uma disciplina, a qual foi lecionada pela Professora do nosso Departamento de Antropologia, Fabiene Gama, disciplina pesquisa qualitativa, onde Fabiene, como especialista em imagens etnográficas, nos mostrava como podíamos perceber várias histórias que se escondiam ou se revelavam nas fotos estudadas, fato que fez com que eu pudesse compreender melhor a força que as imagens tem e que estas fazem histórias e vice versa. Para conclusão desta disciplina, a professora solicitou-me um trabalho em que eu pudesse contar, ou incentivar o imaginário de quem pudesse estar olhando, fotos etnográficas, logo, me levou a fotografar minhas colegas de trabalho.
Pela familiaridade que tenho, foram rápidas as fotos e as poses, sendo de imediata aceitas pelas minhas colegas de profissão, onde eu informava que as fotos seriam internas, apenas para um trabalho da faculdade, sem jamais imaginar que pudessem ser vistas por outras pessoas além da minha professora e quem dera, serem fotos vencedoras de um concurso internacional. Ganhei nota A por este trabalho.
Assim, retornei a pasta com meus trabalhos, abri este em específico, informei as gurias sobre este concurso e elas concordaram que eu pudesse encaminhar as fotos, rapidamente escrevi o texto com duzentos caracteres, solicitados pelo concurso, e encaminhei por e-mail o trabalho junto com as fotografias. Foram menos de trinta minutos para fazer todo o processo escrever o texto. No outro dia, recebi a confirmação de recebimento do trabalho, o qual estava em acordo com o concurso. Fiquei feliz.
Encaminhei o trabalho para minha colega Cristiane olhar, ela ficou feliz e respondeu: “ficou ótimo” se referindo a qualidade do trabalho. Passou alguns dias e recebi um e-mail, com texto em inglês:
“After a long discussion that reflected the high quality of the submissions, the jury decided to award an honourable mention to your submission: Alex Cardoso “Catadoras e Ressignificação de Resíduos”. We were all impressed by the imaginative composition of your photographs and their capacity to invite viewers to extend existing notions of environmental action. This was a tough call. The quality of the submissions was so impressive overall that we felt compelled to award an honorable mention to three other submissions because we all agreed that they were all equally impressive.”
A mensagem informa que meu trabalho havia sido premiado com menção honrosa, informação que me deixou completamente feliz e imediatamente compartilhei com Cristiane, esta logo de imediato, transformou a informação em notícia no site do PPGAS trazendo as informações da boa nova, sobre o catador e colega parte do programa de pós-graduação, que acabará de vencer um concurso internacional, recebendo menção honrosa.
Encaminhei mensagem ao programa solicitando apoio para deslocamento e hospedagem em Lisboa, afim de receber presencialmente essa preciosa recompensa ao trabalho da nossa categoria e a minha articulação entre escrita e imagens, com a participação especial das mulheres catadoras da ASCAT. Entretanto tive como resposta:
“Parabéns, novamente, pela premiação. No entanto, e infelizmente, não temos como apoiar a ida neste momento, porque a CAPES ainda não liberou o recurso financeiro de 2022, de modo que o PPG está sem dinheiro ainda” fruto ainda do descaso do governo Bolsonaro com a ciência, com a pesquisa e de uma maneira geral com a educação como um todo.
Articulei então, com duas amigas, ambas residentes em Portugal, para que pudessem estar presentes nesta importante atividade, Luciana Freitas, uma pessoa importante na minha vida, ex-moradora da cidade do Rio de Janeiro, a qual trabalhava comigo na CBF onde fazíamos a gestão dos resíduos nos estádios durante os jogos da seleção brasileira, logo passávamos muitos dias juntos visitando e formando os catadores nas cidades dos jogos, discutindo com clubes gestores dos estádios, gestores municipais e outros parceiros nestes arranjos que fazíamos e Karina, uma pesquisadora e estudante de doutorado na Universidade de Coimbra, nos conhecemos a mais de 10 anos, estivemos em muitos locais juntos, eventos, encontros com o estado, formação de catadores, viajamos juntos com mochila nas costas, portanto uma pessoa muito querida por mim e por outros catadores do Brasil.
Ambas aceitaram de imediato estarem presentes, me parabenizando e lamentando a minha não presença física no evento, fato ao qual colocamos na conta do Bolsonaro, o qual faz histórias como estas – da não presença – por falta de comprometimento com a educação e seus processos. Lamentamos muito, mas isso não deixou de tirar o brilho deste momento importante o qual evidencia a importância do trabalho das catadoras e o meu, como catador e estudante, dando luz a parti das imagens etnográficas, um contexto imenso de invisibilidades, altos investimentos na iniciativa privada, falta de materiais recicláveis e alimentos para as catadoras, num momento absurdo de sobrevivência em meio a uma pandemia que consumiu mais de meio milhão de vidas brasileiras.
Enfim, este relato é para que possamos acreditar no impossível, a esperançar dentro daquilo que Paulo Freire nos conta em sua poesia: “Esperançar. É preciso ter esperança do verbo esperançar; Porque tem gente que tem esperança do verbo esperar; E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar; Esperançar é ir atrás; Esperançar é não desistir!; Esperançar é levar adiante; Esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro jeito” – Paulo Freire.
Segue abaixo o texto e as fotografias etnográficas na integra, como trabalho submetido e premiado neste concurso:
Nome artístico: @alexcatador,
Título: Catadoras e a ressignificação dos resíduos
Ano: 2021
“Os resíduos são um grande problema ambiental, econômico e humanitário. No Brasil, conforme a Confederação Nacional dos Municípios (2022), 3.313 municípios encaminham seus resíduos para lixões, a Organização das Nações Unidas (2022) informa que bilhões de toneladas de resíduos param nos mares, bilhões de reais são gastos em gerenciamento. A reciclagem tem o índice de 03%. A prefeitura de Porto Alegre paga para empresas privadas mensalmente R$ 4.233.109,29 coleta, R$ 1.783.678,21 transporte, R$ 3.084.052,42 aterro, R$ 899.213,37 coleta seletiva (CARDOSO. 2022), uma mistura que faz faltar resíduos para as catadoras reciclar. A Cooperativa ASCAT recebe apenas R$ 5.158,84 para separar resíduos. A reciclagem gera trabalho, renda e proteção ambiental, entretanto é desvalorizada. Catadoras ressignificam resíduos transformando em vida e deveriam ser valorizadas.”




Por fim, agradeço ao conjunto de mulheres e homens, colegas de trabalho e de escola que contribuíram neste importante trabalho, fruto exclusivamente da conquista coletiva, formado as várias mãos e ideias de quem lecionou, aprendeu e compartilhou conhecimentos. Fica a grande lição de Paulo Freire de esperançar e a minha de compreender e compartilhar. Abraços do @alexcatador.


Referências:
CARDOSO, A. O eu catador: reciclando humanidades, ressignificando resíduos e compartilhando a cultura social da reciclagem. Disponível em: <https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/236502> Acesso em 11 abr 2022.
CNM. Observatório dos Lixões. Disponível em: <http://www.lixoes.cnm.org.br/> Acesso em: 11 abr 2022.
ONU. Poluição plástica. Disponível em: <https://news.un.org/pt/tags/poluicao-plastica#:~:text=Em%20Dia%20Mundial%20dos%20Oceanos,BR&text=Atualmente%2C%2013%20milh%C3%B5es%20de%20toneladas,carbono%20produzido%20pelos%20seres%20humanos.> Acesso: 11 abr 2022.